Homem de pouca fé! Por que duvidaste?
O evangelho que nos foi proclamado e que inclui o episódio de Cristo, o Senhor, caminhando sobre as águas do mar, e do apóstolo Pedro, que ao caminhar sobre as águas hesitou sob a ação do medo, duvidando afundou e novamente confiando subiu à tona, nos convida a ver no mar um símbolo do mundo atual e no apóstolo Pedro a figura da única Igreja. Com efeito, o próprio Pedro – ele, o primeiro na ordem dos apóstolos e o mais generoso no amor a Cristo – muitas vezes responde pessoalmente em nome de todos. Quando o Senhor Jesus perguntou quem as pessoas diziam que ele era, enquanto os outros discípulos o informavam sobre as diferentes opiniões que circulavam entre os homens, quando o Senhor insistiu em sua pergunta e disse: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. A resposta foi dada por um em nome de muitos, unidade em nome da pluralidade. Ao contemplarmos esse membro da Igreja, procuremos discernir nele o que vem de Deus e o que vem de nós. Assim não hesitaremos, mas estaremos assentados na pedra, estaremos firmes e estáveis contra os ventos, as chuvas e os rios, ou seja, contra as tentações do mundo presente. Olhemos, pois, para aquele Pedro que foi então a nossa figura: às vezes ele confia, outras vezes ele hesita; às vezes ele se confessa imortal e outras vezes teme morrer. Por isso, como a Igreja tem membros seguros, ela também tem membros inseguros e não pode sobreviver sem seguros e nem sem os inseguros. Na medida em que Pedro disse: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, significa os membros seguros. No fato de tremer e hesitar, não querendo que Cristo sofresse, temendo a morte e não reconhecendo a Vida, isso significa os membros inseguros da Igreja. Assim, pois, naquele único apóstolo, isto é, em Pedro, o primeiro e principal entre os apóstolos, em quem a Igreja foi prefigurada, ambos os tipos de fiéis deveriam ser representados, isto é, o seguro e o inseguro, pois sem eles não existem a Igreja. Este é também o sentido do que acaba de ser lido para nós: “Senhor, se és Tu, manda que vá ir ter contigo caminhando sobre as águas”. E por ordem do Senhor, Pedro realmente andou sobre as águas, consciente de não poder fazer isso por si mesmo. Pôde a fé o que a fraqueza humana era incapaz de fazer. Estes são os membros seguros da Igreja. Ordene Deus ao homem e o homem poderá fazer o impossível. “Vem”, ele disse. E Pedro desceu e começou a andar sobre as águas: ele conseguiu porque a Pedra havia ordenado. Eis aqui o que Pedro é capaz de fazer em nome do Senhor. O que ele pode fazer por si mesmo? “Ao sentir a força do vento, ficou com medo, começou a afundar e gritou: ‘Senhor, salva-me, estou afundando!’. Ele confiou no Senhor, ele pôde no Senhor; hesitou como um homem, voltou para o Senhor. Em seguida, estendeu sua direita, agarrou o que estava afundando, repreendeu o desconfiado: “Homem de pouca fé!”. Bem, irmãos, temos que terminar o sermão. Considerai o mundo como se fosse o mar: furacão, tempestade violenta. Para cada um de nós, suas paixões são sua tempestade. Amas a Deus: caminhas sobre o mar, sob teus pés rugem as ondas do mundo. Amas o mundo: ele te engolirá. Ele sabe como devorar, não como suportar, seus adoradores. Mas quando teu coração flutua sob o sopro da concupiscência, para vencer tua sensualidade, invoca sua divindade. E se o teu pé vacilar, se hesitas, se há algo que não consegues superar, se começas a afundar, dize: “Senhor, salva-me, pois estou afundando!”. Pois só te livra da morte da carne, aquele que na carne morreu por ti.
Santo Agostinho
Sermão 76, 1. 4.-6. 8-9: PL 38, 479-483
Bispo de Hipona.
Ele é um dos quatro grandes padres da Igreja latina.
É Doutor da Igreja (354-430).
Fonte: Aleteia